Silenciosa visita
Era noite. Certamente
uma noite diferente. Noite cheia do rumor silencioso e quieto de uma incerteza
que ainda pulsava em seu coração. Foi, mas voltou. Recriou coragem e foi
novamente. E se alguém visse? O que poderia acontecer?
Caminhou
ocultando o rosto por aquele trecho escuro da estrada de Jerusalém.
Avistando a casa, que
parecia aconchegante, o fino aristocrata Nicodemos parou em frente a porta com receio. E, esperando
cinco minutos que mais pareciam cinco horas viu o Amor se abrindo para ele.
No terceiro capítulo do
sempre belo Evangelho de João podemos conhecer um pouco desta figura enigmática
e inalterável, pelo menos no princípio, chamado Nicodemos.
Resolveu ver o Cristo com motivos, afinal seria quase possível manter-se indiferente a Ele. Se analisarmos estes Evangelhos, muito já havia ocorrido: João Batista já havia visto Jesus e anunciado o “Cordeiro de Deus” no Jordão (Jo 1,29), Jesus havia chamado os doze discípulos (Jo 1,35-51), transformado a água em vinho em Caná (Jo 2,1-12), e expulsado os comerciantes do Templo de Jerusalém (Jo 2,13-25).
Resolveu ver o Cristo com motivos, afinal seria quase possível manter-se indiferente a Ele. Se analisarmos estes Evangelhos, muito já havia ocorrido: João Batista já havia visto Jesus e anunciado o “Cordeiro de Deus” no Jordão (Jo 1,29), Jesus havia chamado os doze discípulos (Jo 1,35-51), transformado a água em vinho em Caná (Jo 2,1-12), e expulsado os comerciantes do Templo de Jerusalém (Jo 2,13-25).
A alma inquieta de
Nicodemos precisava vê-lo. Havia uma força que o impelia nesta noite, a
necessidade de viajar pela linha divisória do Conhecido e do Desconhecido. Mas
por que o medo? Por que o temor? Seria a vergonha dos judeus? Imaginemos que
sim.
Culpado, na ida e na volta
Um psiquiatra austríaco,
Victor Frankl, fez durante sua vida estudos muito interessantes acerca das
contrariedades que a vida traz, bem como foi pai de uma nova forma de
entendê-las, a logoterapia, que tem o foco na busca do sentido.
Em sua teoria do otimismo
trágico, Frankl explica o otimismo do ser humano apesar da chamada “tríade
trágica” que é composta por dor, culpa e morte.
Semelhante a este
estudo psiquiátrico, Nicodemos saiu de casa naquela noite em busca de sentido.
Encontrou, ouviu, respeitou a Verdade humanizada em sua frente naquela casa e
saiu com culpa.
Talvez mais escondido saíra do que entrara. A conversa mais pareceu uma
entrevista, cheia de perguntas e respostas. E Cristo, talvez pelo correr da
hora, encerrou o papo desta forma:
“De tal modo Deus amou o mundo, amigo
Nicodemos, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer tenha a
vida eterna.”
A experiência desta
noite não findou. Sabe-se através dos Evangelhos que Nicodemos não se juntou a
Jesus, apesar de querer sempre saber quais eram as novidades quanto aquele
Homem. Nicodemos passou três anos silenciosos, vivenciando uma quietude que não
permitia revelar a ninguém sua visita ao Homem.
Repreensão de Caifás
Podemos comprovar o
medo de Nicodemos, quando o caldeirão já estava quente: Jesus, com sua
popularidade no auge, irritou Caifás. E em meio a vários argumentos entre os
doutores da lei, ele falou: “Nossa Lei acaso condena algum homem antes de o
ouvir e conhecer o que ele faz?” (Jo 7:51). Caifás o repreendeu: “Nicodemos, porventura
tu és Galileu? Se informe bem e verás que da Galiléia não saiu profeta algum”
(Jo 7:52).
O medo voltou a
Nicodemos, que sentou-se calado. Mal ele saberia qual a próxima vez que O veria.
Pra contrariar a quietude
Semanas depois, Jesus,
totalmente entregue ao Pai, morre na cruz.
E Nicodemos, pra
contrariar a quietude que o acompanhou durante todo esse tempo, aparece. Como
quem falasse:
“Senhor, e
este fundo abismo que me apavorou quando me inclinei sobre mim mesmo? Tu tão
puro! E os egoísmos que me paralisaram? Tu tão generoso! Por que me olhaste
assim, por que me amaste?”
Precisava recuperar o
tempo perdido, precisava ajudar. Lembrava do olhar insistente de Jesus naquela
noite, três anos antes. Ao invés de cair em lamentos, como os discípulos de
Emaús antes de reconhecê-lo, não. Usou a culpa como saída. Não perdeu dias
pensando sobre sua covardia, mas sim procurou ajudar como podia.
Juntamente com João
Evangelista e José de Arimatéia cuidou do sepultamento de Jesus. E aí teve o
primeiro gesto de aceitação de Cristo. Com aval de Maria e Madalena, Nicodemos
mais os dois homens fizeram essa tarefa inesperada de descê-lo da cruz.
Olhando Jesus
crucificado, inerte, uma lágrima escorreu em Nicodemos, fruto do lamento por suas
afrontas e sua morte.
Cuidando do cadáver de
Jesus demonstrou um profundo amor, pois nada tinha a ganhar, nem esperar. Que
pode um morto fazer em retribuição a uma ajuda? Mesmo sem sinais da ressurreição do Filho, a fraqueza de Nicodemos estendeu a mão
para a grandeza de Deus, e assim enxergou o que não conseguira ver antes, ou
conseguiu ver o que a culpa lhe vendava.
Só o amor explica
Ó mistério inefável,
que só o amor explica. Nicodemos entendeu, sem esperar nada em troca, em que
consiste a vida eterna.
Que blog tão abençoado! Vou compartilhá-lo no face, pois tuas reflexões são maravilhosas. Rezo para que eu tenha sempre a alma inquieta de Nicodemos. Que, apesar da minha humanidade tosca, eu possa cada vez mais perseguir e refinar meu amor pelos outros e por mim mesma. Que a venda que me cega às vezes caia a cada vez que invocar o nome do Senhor. Amém. bjo
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