segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Sobre Maria Fernanda e Raimundo

“Diga lá, meu coração
Conte as histórias das pessoas,
Nas estradas dessa vida...”
(Gonzaguinha - “Diga lá, Coração” - 1979)

            Contar histórias, narrar emoções, descrever os sentimentos... Viver, sentir, errar, crescer, amar, renascer...

            Na reflexão desta semana nos aprofundaremos sobre a graça e a fragilidade da vida vista sob a ótica de dois corações: de Maria Fernanda e Raimundo.

            “A aprender, a viver e a sonhar, e o sonho é belo.
Pois tudo ainda faremos...”
(Milton Nascimento e Fernando Brant - “Solar” - 1983)

            Sexta-feira resplandecente, 14 de fevereiro de 2014. Fernando e Érica despertam para viver uma manhã não usual.

Vivem entre si a experiência do amor. Não o amor que o mundo insistia em entregá-los, mas à luz do amor-responsável. O amor-responsável difere do amor-mundano, pois conta com: verdade, constância e cumplicidade.

O amor-responsável escolhe a amar ao Cristo mais do que o parceiro, por uma simples lógica. Se amo a Cristo, sou amante da verdade, do mais perfeito Amor e do maior modelo que possa ser seguido. Se amamos mais a Cristo, entregamos nosso coração ao parceiro de uma maneira mais profunda, única, especial...

Respiram um tempo de esperas, já que, pelo amor-responsável, Érica recebe em seu ventre o dom da vida, pela segunda vez! João Paulo, o primogênito, é um especialista da alegria. Com apenas dois anos faz brotar sorrisos aonde passa. Nem deve imaginar, mas quando está presente deixa tudo mais gostoso, a vida mais colorida e os fardos mais leves. Parece que re-apresenta a cada pessoa seu direito de ser feliz.

Após um rápido exame, o médico dá a boa-nova tão esperada: “É uma menina!”. Maria Fernanda está chegando!

Em alguns meses esta nova vida irá descobrir, pouco a pouco, a viver, e -como seu irmão- não ter a vergonha de ser e trazer felicidade!


“Viver é muito perigoso
Sempre acaba em morte.”
 (Guimarães Rosa - “Grande Sertão: Veredas” - pg.7 - 1956)

Sábado nebuloso, 15 de fevereiro de 2014. No dia seguinte a grande notícia de Maria Fernanda, o motoqueiro Raimundo está com pressa de chegar em casa.

Com 63 anos certamente gostaria de estar com sua família, num dia que era para ser de descanso.

Temos pressa! Pressa para tudo. Há quanto tempo não saboreamos um delicioso sorvete no verão, sem olhar para o relógio? Já reparamos o quanto cresceu aquela plantinha que nem damos atenção em nossa casa? Ligamos para aquele amigo que há tanto não ouve nossa voz? Não. E quando o fazemos, constantemente ouvimos: “A vida tá fácil ein?”. Viver sem pressa, pelo menos por pequenas partes do dia, hoje pode ser sinônimo de desleixo. Vai entender!

E com pressa, Raimundo pega a moto.

Entra na Avenida Beira-Mar Norte não pensando na estrada, nos carros, e no trânsito, está avoado, com a cabeça longe... Quantas vidas não foram desperdiçadas por falta de atenção?

Em um descuido, sozinho, perde o controle de sua moto mas ainda conta com a ajuda do guard-rail, que não o deixa sair da pista. Até que, ao chegar na altura de um poste, sua cabeça não agüenta o forte impacto da colisão, e falece.

Cheio de vida por um instante, e sem vida alguma no outro.

Num espaço de pouco mais de 30 anos, a Mãe Maria viveu estes dois sentimentos. Pela fé, ouviu e aceitou com clareza que daria a um Menino muito especial o dom da vida. Maria carregava o Amor. Maria trazia o amor. O amor é pressuroso... Desde o nascimento, a Virgem Santíssima acompanhava a vivacidade de um Menino que declararia, ele mesmo, a ser Vida para os homens. E, por obra do destino, anos depois viu seu Menino morrer entregando seu coração... Será que Maria imaginava o que ia acontecer quando Jesus, seu filho, saiu porta afora naquela fria noite? Nunca saberemos...
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Pelas sempre belíssimas palavras descritas pelo Professor Carlos Martendal, finalizo a reflexão com o trecho de texto de autor desconhecido, intitulado “Se o amanhã não vier”:

“Se eu soubesse que esta seria a última vez que eu veria você dormir, eu aconchegaria você mais apertado, e rogaria ao Senhor Deus que protegesse você.
Se eu soubesse que esta seria a última vez em que veria você sair pela porta, eu abraçaria, traria você de volta, para beijar você uma vez mais.
Se eu soubesse que esta seria a última vez que ouviria sua voz em
meu coração, eu filmaria cada gesto, cada palavra sua, para que eu pudesse ver e ouvir de novo, dia após dia.
Se eu soubesse que esta seria a última vez, eu gastaria um minuto extra ou dois, para parar e dizer: ‘Eu te amo!”, em vez de presumir que você já sabe disso. [...]”

Que possamos celebrar a vida, celebrar Maria Fernanda que está chegando!

Que possamos, também, lamentar e vigiar a morte, e, rezar uma Ave-Maria pela alma de Raimundo e por seus familiares, para que a Mãe das Mães passe na frente.


Uma excelente, e vívida semana!

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