Adélia Prado, uma das
mais profundas poetisas brasileiras, certa vez escreveu um poema intitulado "Impressionista":
“Uma ocasião
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele dizia,
constantemente amanhecendo.”
("Bagagem", pg.97)
("Bagagem", pg.97)
Se o anoitecer, em
termos Bíblicos se refere aos tempos turbulentos e escuros de nossa caminhada
(como os discípulos de Emaús, que ao anoitecer chamaram o Cristo para
permanecer em seu meio), o amanhecer, pelo contrário leva ares de radiante alegria.
O silêncio da madrugada
quebrado pelos pássaros que já cantam mesmo antes do sol chegar; os raios de
sol sempre cuidadosos a zelar pela claridade que um novo dia vem apresentar; e
a felicidade de um novo dia que chega. São tantos os elementos de um amanhecer!
Na Liturgia das Horas,
a primeira oração do dia tem o nome de Laudes, que em português poderia ser
traduzida como “Hora de Louvor”, onde se pede por um novo dia. O querido
Professor Carlos Martendal indagou em uma de suas palestras: “Qual a primeira coisa que fazemos quando
acordamos? Isto pode definir o resto de nosso dia”. Se a oração tomasse o lugar dos smartphones no despertar de cada dia, teríamos uma paz inefável que faria
questão, por se tornar sagrada, de melhorar toda nossa vida enquanto pessoas!
Infelizmente, nossa
humanidade limitada faz questão de esquecer estes benefícios. Quantas vezes na
vida, ao contrário de Adélia, deixamos de sonhar com casas constantemente
amanhecendo para darmos lugar a casas constantemente escurecendo, com a
escuridão construída por nossas escolhas?
Entretanto, aqueles que
crêem no misericordioso Verbo Encarnado, em um Cristo que em sua humildade
resolveu nascer naquela manjedoura em Belém, têm motivos para acreditar no
amanhecer. E muitos!
Em uma marcante homilia
do Sábado Santo datada do séc. IV (de autor desconhecido), é narrada a descida
de Jesus à mansão dos mortos:
“Eu te ordeno: Acorda, tu que dormes, porque não te criei para
permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-te dentre os mortos; eu sou a vida
dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, ó minha imagem, tu
que foste criado à minha semelhança.
Levanta-te, saiamos daqui; tu em mim e eu em ti, somos uma só e
indivisível pessoa. Adormeci na cruz e por tua causa a lança penetrou no meu
lado. Meu lado curou a dor do teu lado. Meu sono vai arrancar-te do sono da
morte.”
O amanhecer, meus
amigos, vem com a notícia radiosa da ressurreição.
São João nos narra
belamente uma noite de pescaria. Noite longa, noite mais escura que as outras
noites. Noite de arrependimento, de tristeza e de desesperança, principalmente
para Pedro, que se sentia culpado pela tripla negação. Vejo ele deitado, se
revirando sem conseguir pegar no sono. Vejo ele avisando aos outros: “Vou pescar”. E parte o errante
apóstolo, sozinho, com a rede na mão e um caminhar lento em direção ao mar.
A desanimação de Pedro
poderia, por hora, ser superada com uma grande pescaria, mas nem isso. Vejo
portanto um lutador derrotado, que desanimava até os companheiros que iam
chegando para auxiliá-lo.
E, é muito importante
ressaltar, que a madrugada chegava ao fim e amanhecia na praia. Eis que um Forasteiro
“se intromete” na pescaria e recomenda aos pescadores: “Pesquem um pouco mais pra lá!”. E, botando fé nas palavras deste
Homem, assim o fizeram, e assim não conseguiam nem puxar a rede tamanho o peso
das centenas de peixes que conseguiram pescar.
(Pe.Fábio
de Melo - "É Sagrado Viver", pg.29)
Pedro se joga ao mar,
atrapalhado, e nada em direção ao Homem. “Só
pode ser Ele!”. Sem a noite de sonhos e de descanso, Pedro agora tinha o
seu maior sonho ressuscitado em sua frente. Cristo é uma eterna surpresa!
Que
aprendamos com Pedro, a tornar nosso amanhecer colorido, feliz, não ausente de
dificuldades, mas consciente para mergulharmos nas profundezas e irmos ao
encontro do Cristo que só quer nossa felicidade!
Novamente
parafraseando Adélia Prado, que levemos esta frase para nossa semana:
“Não tenho tempo
algum, porque ser feliz me consome.”
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