domingo, 12 de janeiro de 2014

Amanhecer

Adélia Prado, uma das mais profundas poetisas brasileiras, certa vez escreveu um poema intitulado "Impressionista":

“Uma ocasião
meu pai pintou a casa toda
 de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele dizia,
constantemente amanhecendo.”
                  ("Bagagem", pg.97)

Se o anoitecer, em termos Bíblicos se refere aos tempos turbulentos e escuros de nossa caminhada (como os discípulos de Emaús, que ao anoitecer chamaram o Cristo para permanecer em seu meio), o amanhecer, pelo contrário leva ares de radiante alegria.

O silêncio da madrugada quebrado pelos pássaros que já cantam mesmo antes do sol chegar; os raios de sol sempre cuidadosos a zelar pela claridade que um novo dia vem apresentar; e a felicidade de um novo dia que chega. São tantos os elementos de um amanhecer!

Na Liturgia das Horas, a primeira oração do dia tem o nome de Laudes, que em português poderia ser traduzida como “Hora de Louvor”, onde se pede por um novo dia. O querido Professor Carlos Martendal indagou em uma de suas palestras: “Qual a primeira coisa que fazemos quando acordamos? Isto pode definir o resto de nosso dia”. Se a oração tomasse o lugar dos smartphones no despertar de cada dia, teríamos uma paz inefável que faria questão, por se tornar sagrada, de melhorar toda nossa vida enquanto pessoas!

Infelizmente, nossa humanidade limitada faz questão de esquecer estes benefícios. Quantas vezes na vida, ao contrário de Adélia, deixamos de sonhar com casas constantemente amanhecendo para darmos lugar a casas constantemente escurecendo, com a escuridão construída por nossas escolhas?  

Entretanto, aqueles que crêem no misericordioso Verbo Encarnado, em um Cristo que em sua humildade resolveu nascer naquela manjedoura em Belém, têm motivos para acreditar no amanhecer. E muitos!

Em uma marcante homilia do Sábado Santo datada do séc. IV (de autor desconhecido), é narrada a descida de Jesus à mansão dos mortos:

“Eu te ordeno: Acorda, tu que dormes, porque não te criei para permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-te dentre os mortos; eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, ó minha imagem, tu que foste criado à minha semelhança.
Levanta-te, saiamos daqui; tu em mim e eu em ti, somos uma só e indivisível pessoa. Adormeci na cruz e por tua causa a lança penetrou no meu lado. Meu lado curou a dor do teu lado. Meu sono vai arrancar-te do sono da morte.”

O amanhecer, meus amigos, vem com a notícia radiosa da ressurreição.

São João nos narra belamente uma noite de pescaria. Noite longa, noite mais escura que as outras noites. Noite de arrependimento, de tristeza e de desesperança, principalmente para Pedro, que se sentia culpado pela tripla negação. Vejo ele deitado, se revirando sem conseguir pegar no sono. Vejo ele avisando aos outros: “Vou pescar”. E parte o errante apóstolo, sozinho, com a rede na mão e um caminhar lento em direção ao mar.

A desanimação de Pedro poderia, por hora, ser superada com uma grande pescaria, mas nem isso. Vejo portanto um lutador derrotado, que desanimava até os companheiros que iam chegando para auxiliá-lo.

E, é muito importante ressaltar, que a madrugada chegava ao fim e amanhecia na praia. Eis que um Forasteiro “se intromete” na pescaria e recomenda aos pescadores: “Pesquem um pouco mais pra lá!”. E, botando fé nas palavras deste Homem, assim o fizeram, e assim não conseguiam nem puxar a rede tamanho o peso das centenas de peixes que conseguiram pescar.

“A alegria cura a culpa.”
(Pe.Fábio de Melo - "É Sagrado Viver", pg.29)

Pedro se joga ao mar, atrapalhado, e nada em direção ao Homem. “Só pode ser Ele!”. Sem a noite de sonhos e de descanso, Pedro agora tinha o seu maior sonho ressuscitado em sua frente. Cristo é uma eterna surpresa!

 Que aprendamos com Pedro, a tornar nosso amanhecer colorido, feliz, não ausente de dificuldades, mas consciente para mergulharmos nas profundezas e irmos ao encontro do Cristo que só quer nossa felicidade!

            Novamente parafraseando Adélia Prado, que levemos esta frase para nossa semana:  

“Não tenho tempo algum, porque ser feliz me consome.”

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