quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Os Detalhes de Amor

O ar daquele novembro nebuloso parecia estranho, mais do que nunca fora. Uma manhã nublada servia para complementar as incertezas que pairavam no ar. No ponto de ônibus da capital, idas e vindas. Encontros e despedidas, partidas e chegadas. Mais uma vez a dinâmica da rotina traduz um pouco do que é a vida: um eterno tempo de esperas.

No começo da matina, um garoto, universitário por certo, se aproximara do ponto. Já encharcado pelo guarda-chuva que esquecera -mais uma vez- de trazer, carregava um ar de preocupação e instabilidade, como muitos jovens de sua época. O tempo para ele era um problema. “Faltam horas em meu dia” vociferava aos amigos, quem sabe como em uma auto-afirmação da vida adulta.

Ziraldo, uma vez escreveu sobre o tempo. Não a falta de tempo ou como andamos apressados na vida, mas sobre o tempo sob o olhar de um simples menino:

“Ah... que grande mistério o jeito que o menino tem de brincar com o tempo! Sempre sobra tempo pra tudo. Tempo? Que amigão! Seu ponteirinho das horas, vai ver é um ponteirão. O tempo pra ele faz horas... Horas a mais!”

Entretanto, em um certo “tempo” da vida, a grande maioria de nós decide que o “tempo” tem que se tornar um imenso, e muitas vezes, o principal problema do nosso viver. E o problema do garoto, naquele dia, era a espera de um ônibus que o conduziria para sua aula. Não podia mais chegar atrasado, afinal as ausências que a faculdade permitia haviam chego no limite para ele.

Um olhar no relógio, outro no celular: pensava em compartilhar uma mensagem reclamando da demora constante dos ônibus em sua cidade. Dois minutos completos haviam se passado e não tinha passado sequer um!

Porém, quando deixamos de prestar atenção aos detalhes da vida, não percebemos o que está ao nosso redor. No mesmo ponto de ônibus se encontrava um velhinho, com uma marcante boina que cobria seus cabelos brancos, e uma bengala apoiada no punho, sentado com um ar paciente. Claramente o garoto não percebera sua presença, talvez devido a quietude do mesmo. Já dizia uma apressada mãe: “Quando se vive uma vida dispersa, você tem uma visão em forma de túnel – sempre olhando para o próximo compromisso na agenda.”

O senhor, com toda a calma do mundo, chamou o menino e lhe perguntou as horas. O mesmo se irritou. Conversas, contatos, encontros: era tudo o que procurava evitar. Até por isso seu grande parceiro para estes momentos era seu fone de ouvido que conseguia torná-lo surdo para o mundo, ao menos por uns instantes. Mas, curiosamente, ouvira aquele velhinho.“Sete e cinqüenta”, respondeu rispidamente o garoto, como que quem não quer papo.

O homem, com a pele enrugada, marcas do tempo que havia passado, continuou: “Menino, por que você vive com tanta pressa?”. Parecia brincadeira! “Que velho enxerido! Por que devo eu satisfação a ele?”, pensou o garoto. Mas, por algum motivo, resolveu responder: “Estou atrasado pra aula”. Mesmo que faltasse mais de meia hora para a aula, e o tempo que levaria de ônibus fosse pouco mais de dez minutos, o “atraso” e a “pressa” eram palavras certas no vocabulário do garoto.

“Pois bem”, começou a falar o senhor, “quero saber se já paraste pra prestar atenção em seus olhos!”. O garoto: “Meus olhos? Não os lavei direito hoje de manhã, foi?”. E o experiente homem continua: “Não menino! Já parou para pensar que à sua frente encontra-se o oceano, tão infindo? Não te distrai também esta linha do horizonte?E este encontro único da chuva que cai lá do céu, com o mar, um misto de doce e salgado, o mar e a chuva: um grande exemplo de que os mais diferentes elementos podem se unir. Deus, quão bom é poder enxergar!”

O menino, aos poucos, ia tirando seu fone de ouvido para olhar perplexo para o mar. Nunca havia parado para pensar nisso. Mas gostar de chuva já é demais! O velho deveria estar gagá, de certo.

“Cada vez mais percebo que Deus é criativo! Me diga rapaz, o que comeste no café da manhã hoje?”. E ele: “Bom... O de sempre. Uma fatia de melancia, umas uvas, pêra e leite”. O velhinho continua, com um brilho nos olhos que fazia o menino prestar atenção em suas palavras: “Pois bem! O Pai, certa vez, pintou todas as frutas de cores diferentes para tornar cada vez mais alegres nossas refeições. E mais: cada uma dessas frutas tem sua propriedade nutritiva. Sua maciez, sua característica. Uma mais única que a outra! O Senhor é um brincalhão: fez a melancia verde por fora, vermelha por dentro, e ainda fez questão de enfeitá-la com sementinhas pretas... Quão bom é poder ter o que comer, enquanto tantos passam fome!”

A chuva apertava e o garoto já não olhava para o celular, nem para o relógio, mas sim para o horizonte. Queria ouvir mais daquele senhor que parecia um verdadeiro sábio. Há quanto tempo não agradecia pelo alimento que tinha, em abundância, em sua casa?

“Suas mãos, garoto”. Como numa viagem de pensamentos, o menino se assusta: “Hã?”. “Suas mãos!”, complementou o velhinho, “As mãos são minha parte preferida. Através das mãos é que fui Batizado! Através delas também, sou absolvido nas Confissões que faço, pois acredito em um Deus de Misericórdia, que esquece do que passou. Além disso, recebo o Corpo d’Ele através das mãos de tão boa gente. Nossas mãos, por tantas vezes, se parecem com as mãos de nossos pais, já percebeu? E quanta coisa boa podemos fazer com elas! Quanto carinho...”.

Enquanto o velhinho completava, o ônibus tão esperado chegara. Outros jovens se aglomeravam na porta para pegarem os melhores lugares, enquanto o menino, espantado com tamanha simplicidade de um coração desconhecido, resolveu esperar o próximo. Alguma hora iria chegar, afinal ele não estava tão atrasado assim. O celular, que alertava num espaço mínimo de tempo sobre as mensagens que os amigos mandavam, já não importava. Sentiu vontade de silenciar. Silenciar seu celular para sentir o gosto da manhã. Deixar seu fone de ouvido no mudo para deixar que a forte chuva penetrasse em seus ouvidos, pois este ruído era até bonito, se fosse parar para pensar.

"E vós, quem dizeis que Eu sou?" (Mt 16:15)
“Sabe menino... Você me chamou a atenção pois me vi em você. Logo desde cedo comecei a estudar e trabalhar. Eu tinha a certeza que encontraria a plena felicidade no trabalho árduo e somente nisso. Todo o resto virava conseqüência. Casei, tive filhos, mas não me sobrava tempo para eles. Escolhi andar com pressa, imaginava eu, pelo bem da família. Não os vi crescer, e ao mesmo tempo sinto que não fiz minha esposa feliz. Percebi isto há cerca de quatro anos atrás, quando já era tarde demais. A vida passou por mim e eu nem notei! Certa vez, fui apresentado a um Homem que falavam que me daria as respostas para a vida. Um Cara que era o caminho, a verdade, e ao mesmo tempo a própria vida, que eu tentava reconquistar. E só a partir da experiência da compreensão de um Amor tão puro, consegui compreender que a vida passa rápida demais para não a saborearmos, não amarmos, não perdoarmos... Estude, trabalhe, mas ame! Cresça profissionalmente, conquiste objetivos, mas tenha paciência! Seja feliz mas saiba achar seu equilíbrio! Viva por amor!”.

O menino, sem palavras, percebera que as lições que estava aprendendo naquela manhã, lhe serviriam por muito tempo. Após uma breve despedida, o rapaz entrou no ônibus, ainda a tempo de chegar na aula, mas dessa vez com um olhar mais sério, mais responsável: quanto teria que refletir! Nunca mais vira o velhinho, apesar de, todas as manhãs, ter a esperança de rever aquele sábio homem que lhe apresentara a Cristo e seus detalhes de amor.

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Henry David Thoreau, certa vez escreveu: “Como se pudéssemos matar o tempo sem lesar a eternidade...”. A grande maioria das vezes em que passamos por momentos com ares de eternidade, o fazemos quando nos desprendemos da pressa do cotidiano que nos absorve.

Que consigamos enxergar os detalhes que nos rodeiam, para, assim, re-encontrar a Deus, que só pode ser encontrado quando esmiuçamos cada momento de nossa vida.

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