domingo, 3 de março de 2013

As Janelas de Nossas Vidas

Fazia frio na rua. Levi finalmente chegara em casa no domingo depois de um fim de semana daqueles. Duas Missas, ação do seu grupo, reunião do departamento, reunião do grupo de jovens, jantar com os amigos do movimento... Tantas coisas!

Às vezes sentia que tinha o mundo a seus pés: tanto lia, tanto sabia, tanto conhecia sobre sua religião, sobre sua Igreja Católica.

Era como se quando seu “5º dia” chegasse, não houvesse erro! O Céu seria todo seu, inclusive com um cortejo celebrando o “menino da Igreja” que estava entrando. 

Começou sua vida religiosa ainda cedo. Após sua primeira Eucaristia foi coroinha de sua Paróquia por anos. Inclusive já era até Ministro da Eucaristia! Estar em frente a todos na Igreja com Cristo na mão não era pra qualquer um, sentia um orgulho que se misturava com um ego impensado.

“Levi, seu primo está no telefone, quer notícias suas!”, gritava a mãe do outro lado da casa. “Passei dias em função da Igreja! Será que não posso ter uma noite de descanso em paz sem ser incomodado?” pensou Levi. Fingiu que não ouviu e foi para o banho. As saudades de um primo distante não eram o bastante para comovê-lo.

Saindo do banho, tremendo de frio, o rapaz entrou no quarto, minutos antes do acontecimento que mudaria sua vida. O cansaço tomava conta do seu corpo. Encostando a cabeça no travesseiro se lembrou de um garoto novo em seu grupo de jovens que teve dificuldade em entender um assunto tão simples como o nascimento de Jesus: “Garoto burro!” pensava ele, que manjava de Teologia.

“Os demônios não são os que O crucificaram, mas tu, que juntamente com eles, O crucificaste e continuamente crucificas quando te comprazes nos vícios e no pecado.”
(São Francisco de Assis)

Lembrou também da Confissão que fizera com seu Pároco. Há muitos anos não fazia uma Confissão 100% sincera, afinal, o Pároco se tornara seu amigo, além de tudo. “Melhor omitir do que assustá-lo”, pensava Levi, com uma idéia de um cristão perfeito que não poderia assumir seus erros.

Eis que aconteceu o inexplicável. TOC TOC TOC! Três batidas leves e demoradas em sua janela. Quem seria naquela hora? “É ladrão!” exclamou o rapaz. Levi prontamente foi para a cozinha pegar um facão. Foi a melhor idéia que teve, devido ao susto.

Novamente deitado, decidiu que se ouvisse mais alguma coisa gritava e acordava seu pai, que era um homem idoso. Mal havia visto o próprio pai nos últimos dias, era preciso de paciência extra e muito tempo para isto. Levi fazia as pessoas ao seu redor parecerem extensões de si, como se ele fosse o astro principal de cada conversa, cada momento, dia após dia!

Mais calmo e caindo no sono, o rapaz já estava fechando os olhos novamente, quando: TOC TOC TOC! Novamente as batidas!

“Ahhhh!!!” gritou o sabichão assustado de verdade. “Quem... quem está aí? Olha que vou soltar o cachorro aí do quintal!” ameaçou Levi, se referindo a Bidu, seu cachorro pincher, que passava a maioria dos dias dormindo.

Foi quando teve um estalo: Rezar! Há quanto tempo não fazia aquilo? Quer dizer, há quanto tempo não fazia aquilo com o coração? Com humildade? Com uma fé simples?

“E, quanto mais me enfeito, mais eu me disfarço, falo coisas que eu não quero, palavras que eu não penso. 
Quero uma oração simples como o ar 
Quero conversar coração a coração. Sem palavras ou rimas complicadas, 
só eu e Deus.”
(Bruno Camurati)

“Pai, estou passando por uma situação complicada aqui! O Senhor poderia, por favor, retirar esse ladrão... digo, esta pessoa aqui do quintal? Estou com medo!” rezou o rapaz, enquanto percebia que não sentia essa verdade nas palavras há muito. Será que tinha sido muito exigente? Muito direto? Será que devia ter perguntado como andavam as coisas pelo Céu?


Enfim, o importante foi ter rezado! A figura de Jesus Cristo havia se tornado excessivamente comum em sua vida, diferente de outros tempos em que passava momentos admirando este Amigo, este Divino Esposo. Lembrou-se de quando conversava com o Pai, na sua infância. Se ajoelhava e pedia por sua família: por seu pai e sua mãezinha.

O primo! Lembrou-se do primo que o viu crescer, que saudade bateu! “Ele me ligou hoje, e eu nem aí” refletiu Levi, num misto de sensações naquela fria noite.

“Quem sou eu? Se mal consigo rezar com o coração? Como pude ser tão duro com aquele garoto do grupo? Que intolerância da minha parte!” As lágrimas de um coração arrependido corriam no rosto de um Levi irreconhecível.

Em uma atitude automática, pegou a Bíblia da cabeceira e leu o Evangelho de Mateus, capítulo 26, versículo 75: “Pedro se lembrou do que Jesus lhe tinha dito: ‘Antes que o galo cante, três vezes me negarás’. E saindo dali, chorou amargamente”.Se sentiu como Pedro, como um fracasso, como um nada.

Jesus havia lhe confiado muitas coisas nestes anos, mas nunca desejaria que a fé de Levi se abalasse, pois o que Ele sempre busca é a verdade, a mais pura verdade. Sendo o Caminho, a Verdade e a Vida, a falsidade não poderia nunca entrar na vida de um filho. Não que Jesus espere uma perfeição imutável, mas espera sim um Levi verdadeiro, um Levi que reconheça suas limitações e seus erros.

Ao devolver a Bíblia à cabeceira, ouviu pela terceira vez: TOC TOC TOC! Abalado, não pensava mais em ladrão nenhum. Ladrão algum poderia bater em sua janela de uma forma -cada vez mais- suave, leve, tranqüila. Toques afáveis de alguém que não poderia querer seu mal, de forma alguma.

Foi então que, ao abrir a janela, Levi foi surpreendido de uma forma única. Um raio de luz forte piscou diante dos seus olhos. E em uma fração de segundos, o rapaz viu a vida passar: o nascimento, a infância, a fé, a perseverança, os erros, a conveniência que se tornara a Igreja para ele, e, finalmente, o olhar de um Cristo que batia em sua janela.

Tamanha era a luz e a doçura daquele olhar, que o rapaz não conseguia entender o que se passava. Com medo e uma raiva interior, exclamou: “Que tenho eu, que tanto me procuras? Que interesse tens, se não te aceno? Em minha porta cheio de sereno, passas as noites de inverno escuras.¹”

E aquela figura silenciosa, apenas olhando. Parecia que o conhecia desde pequeno!

“Não sou digno de nada que me destes! Com esse coração errante o melhor que faço é desistir! Desisto de tudo, não quero mais saber da tua Igreja!”. A silhueta sorridente de um Jesus acolhedor, fez Levi estranhá-Lo.

Até que o rapaz ouviu a voz mais doce, mais pura, mais linda da sua vida, dizendo: “Levi, teu nome está escrito na palma de minha mão². Antes que tu fosses gerado no seio de tua mãe, eu já te escolhi e te amei!  Quer ajudar a construir a nossa Igreja com teu amor?”

“Deus nos deixa partir, porque se forçasse a permanência ao lado Dele, não teria um filho, teria um escravo.
Quando a gente volta, Deus nada acusa, nada relembra. Na volta, Ele não tem memória. Tem só coração.”
(Pe. João Mohana)

E o coração cansado do rapaz, resolveu voltar. Deu-Lhe um forte abraço e falou: “Amo-te, Senhor, ou pelo menos parece-me que sim. Não com um coração ardente... Nem mesmo com um coração penitente! Mas com um coração simples cheio de fraquezas e boa vontade, mais sujeito ao mal do que desejaria: e que SEMPRE volta a Ti.³”

Era o novo “sim” de um rapaz que tinha uma vida inteira pela frente: novos desafios, novos acertos, novos erros, e após dessa noite uma fé maior. Abalável, mas maior.

“Filhinho, estou e estarei contigo para todo sempre!” respondeu Jesus em uma atitude compreensiva. O Amor de um Deus não tem limites!

Porém, após dizer estas palavras, o Homem desapareceu diante dos olhos do rapaz. E o coração de Levi finalmente ardia... E como ardia! Estamos falando do Jesus da Quaresma, do Jesus que renasce em cada um de nós.
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Amigos, será que nas janelas do nosso íntimo coração, Jesus também não bate? Estamos O ouvindo?

Ele nunca baterá em nossas janelas de uma forma forte, como quem quer ser ouvido. E sim de uma forma leve, de alguém que se faz um verdadeiro “mendigo de amor³³” para conosco.

Dia 29 de março deste ano de 2013 teremos mais uma Encenação da Paixão de Cristo do Movimento de Emaús, de Florianópolis. Nesta sexta-feira da Paixão, pode ser que Cristo esteja no ginásio do Colégio batendo nas janelas dos corações de várias pessoas que esperam receber um abraço afetuoso do Pai.

O seu ‘SIM’ é fundamental para que tenhamos uma Encenação inesquecível!

Uma ótima semana!
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¹VEGA, Lope de. “A Jesus!”
²Isaías 49:16
³GIRAUD, L. “À Procura do Senhor”
³³Citação de Santa Teresinha do Menino Jesus

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