Fazia frio na rua. Levi finalmente chegara em casa
no domingo depois de um fim de semana daqueles. Duas Missas, ação do seu grupo,
reunião do departamento, reunião do grupo de jovens, jantar com os amigos do
movimento... Tantas coisas!
Às vezes sentia que tinha o mundo a seus pés: tanto
lia, tanto sabia, tanto conhecia sobre sua religião, sobre sua Igreja Católica.
Era como se quando seu “5º dia” chegasse, não
houvesse erro! O Céu seria todo seu, inclusive com um cortejo celebrando o “menino
da Igreja” que estava entrando.
Começou sua vida religiosa ainda cedo. Após sua
primeira Eucaristia foi coroinha de sua Paróquia por anos. Inclusive já era até
Ministro da Eucaristia! Estar em frente a todos na Igreja com Cristo na mão não
era pra qualquer um, sentia um orgulho que se misturava com um ego impensado.
“Levi,
seu primo está no telefone, quer notícias suas!”,
gritava a mãe do outro lado da casa. “Passei
dias em função da Igreja! Será que não posso ter uma noite de descanso em paz
sem ser incomodado?” pensou Levi. Fingiu que não ouviu e foi para o banho.
As saudades de um primo distante não eram o bastante para comovê-lo.
Saindo do banho, tremendo de frio, o rapaz entrou no
quarto, minutos antes do acontecimento que mudaria sua vida. O cansaço tomava
conta do seu corpo. Encostando a cabeça no travesseiro se lembrou de um garoto
novo em seu grupo de jovens que teve dificuldade em entender um assunto tão
simples como o nascimento de Jesus: “Garoto
burro!” pensava ele, que manjava de Teologia.
“Os demônios não são os que O
crucificaram, mas tu, que juntamente com eles, O crucificaste e continuamente
crucificas quando te comprazes nos vícios e no pecado.”
(São Francisco de Assis)
Lembrou também da Confissão que fizera com seu
Pároco. Há muitos anos não fazia uma Confissão 100% sincera, afinal, o Pároco
se tornara seu amigo, além de tudo. “Melhor
omitir do que assustá-lo”, pensava Levi, com uma idéia de um cristão
perfeito que não poderia assumir seus erros.
Eis que aconteceu o inexplicável. TOC TOC TOC!
Três batidas leves e demoradas em sua janela. Quem seria naquela hora? “É ladrão!” exclamou o rapaz. Levi
prontamente foi para a cozinha pegar um facão. Foi a melhor idéia que teve, devido
ao susto.
Novamente deitado, decidiu que se ouvisse mais
alguma coisa gritava e acordava seu pai, que era um homem idoso. Mal havia
visto o próprio pai nos últimos dias, era preciso de paciência extra e muito
tempo para isto. Levi fazia as pessoas ao seu redor parecerem extensões de si,
como se ele fosse o astro principal de cada conversa, cada momento, dia após
dia!
Mais calmo e caindo no sono, o rapaz já estava
fechando os olhos novamente, quando: TOC TOC TOC! Novamente
as batidas!
“Ahhhh!!!”
gritou o sabichão assustado de verdade. “Quem...
quem está aí? Olha que vou soltar o cachorro aí do quintal!” ameaçou Levi,
se referindo a Bidu, seu cachorro pincher, que passava a maioria dos dias dormindo.
Foi quando teve um estalo: Rezar! Há quanto tempo
não fazia aquilo? Quer dizer, há quanto tempo não fazia aquilo com o coração?
Com humildade? Com uma fé simples?
“E, quanto mais
me enfeito, mais eu me disfarço, falo coisas que eu não quero, palavras que eu não penso.
Quero uma oração simples como o ar
Quero conversar coração a coração. Sem palavras ou rimas complicadas,
só eu e Deus.”
Quero uma oração simples como o ar
Quero conversar coração a coração. Sem palavras ou rimas complicadas,
só eu e Deus.”
(Bruno Camurati)
“Pai,
estou passando por uma situação complicada aqui! O Senhor poderia, por favor,
retirar esse ladrão... digo, esta pessoa aqui do quintal? Estou com medo!”
rezou o rapaz, enquanto percebia que não sentia essa verdade nas palavras há
muito. Será que tinha sido muito exigente? Muito direto? Será que devia ter
perguntado como andavam as coisas pelo Céu?
Enfim, o importante foi ter rezado! A figura de
Jesus Cristo havia se tornado excessivamente comum em sua vida, diferente de outros tempos em
que passava momentos admirando este Amigo, este Divino Esposo. Lembrou-se de
quando conversava com o Pai, na sua infância. Se ajoelhava e pedia por sua
família: por seu pai e sua mãezinha.
O primo! Lembrou-se do primo que o viu crescer, que
saudade bateu! “Ele me ligou hoje, e eu
nem aí” refletiu Levi, num misto de sensações naquela fria noite.
“Quem
sou eu? Se mal consigo rezar com o coração? Como pude ser tão duro com aquele
garoto do grupo? Que intolerância da minha parte!” As
lágrimas de um coração arrependido corriam no rosto de um Levi irreconhecível.
Em uma atitude automática, pegou a Bíblia da cabeceira
e leu o Evangelho de Mateus, capítulo 26, versículo 75: “Pedro se lembrou do que Jesus lhe tinha dito: ‘Antes que o galo cante,
três vezes me negarás’. E saindo dali, chorou amargamente”.Se sentiu como
Pedro, como um fracasso, como um nada.
Jesus havia lhe confiado muitas coisas nestes anos,
mas nunca desejaria que a fé de Levi se abalasse, pois o que Ele sempre busca é
a verdade, a mais pura verdade. Sendo o Caminho, a Verdade e a Vida, a
falsidade não poderia nunca entrar na vida de um filho. Não que Jesus espere
uma perfeição imutável, mas espera sim um Levi verdadeiro, um Levi que
reconheça suas limitações e seus erros.
Ao devolver a Bíblia à cabeceira, ouviu pela
terceira vez: TOC TOC TOC! Abalado, não pensava mais em ladrão nenhum. Ladrão algum poderia bater
em sua janela de uma forma -cada vez mais- suave, leve, tranqüila. Toques
afáveis de alguém que não poderia querer seu mal, de forma alguma.
Foi então que, ao
abrir a janela, Levi foi surpreendido de uma forma única. Um raio de luz forte
piscou diante dos seus olhos. E em uma fração de segundos, o rapaz viu a vida
passar: o nascimento, a infância, a fé, a perseverança, os erros, a
conveniência que se tornara a Igreja para ele, e, finalmente, o olhar de um
Cristo que batia em sua janela.
Tamanha era a luz e a doçura daquele olhar, que o rapaz não conseguia entender o que se passava. Com medo e uma raiva interior, exclamou: “Que tenho eu, que tanto me procuras? Que interesse tens, se não te aceno? Em minha porta cheio de sereno, passas as noites de inverno escuras.¹”
Tamanha era a luz e a doçura daquele olhar, que o rapaz não conseguia entender o que se passava. Com medo e uma raiva interior, exclamou: “Que tenho eu, que tanto me procuras? Que interesse tens, se não te aceno? Em minha porta cheio de sereno, passas as noites de inverno escuras.¹”
E aquela figura
silenciosa, apenas olhando. Parecia que o conhecia desde pequeno!
“Não sou digno de nada que me destes! Com
esse coração errante o melhor que faço é desistir! Desisto de tudo, não quero mais
saber da tua Igreja!”. A silhueta sorridente de um Jesus acolhedor, fez Levi estranhá-Lo.
Até que o rapaz
ouviu a voz mais doce, mais pura, mais linda da sua vida, dizendo: “Levi, teu nome está escrito na palma de
minha mão². Antes que tu fosses gerado no seio de tua mãe, eu já te escolhi e
te amei! Quer ajudar a construir a nossa
Igreja com teu amor?”
“Deus nos deixa
partir, porque se forçasse a permanência ao lado Dele, não teria um filho,
teria um escravo.
Quando a gente
volta, Deus nada acusa, nada relembra. Na volta, Ele não tem memória. Tem só
coração.”
(Pe. João Mohana)
E o coração cansado
do rapaz, resolveu voltar. Deu-Lhe um forte abraço e falou: “Amo-te, Senhor, ou pelo menos parece-me que
sim. Não com um coração ardente... Nem mesmo com um coração penitente! Mas com
um coração simples cheio de fraquezas e boa vontade, mais sujeito ao mal do que
desejaria: e que SEMPRE volta a Ti.³”
Era o novo “sim” de
um rapaz que tinha uma vida inteira pela frente: novos desafios, novos acertos,
novos erros, e após dessa noite uma fé maior. Abalável, mas maior.
“Filhinho, estou e estarei contigo para todo
sempre!” respondeu Jesus em
uma atitude compreensiva. O Amor de um Deus não tem limites!
Porém, após dizer
estas palavras, o Homem desapareceu diante dos olhos do rapaz. E o coração de
Levi finalmente ardia... E como ardia! Estamos falando do Jesus da Quaresma, do
Jesus que renasce em cada um de nós.
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Amigos, será que
nas janelas do nosso íntimo coração, Jesus também não bate? Estamos O ouvindo?
Ele nunca baterá em
nossas janelas de uma forma forte, como quem quer ser ouvido. E sim de uma
forma leve, de alguém que se faz um verdadeiro “mendigo de amor³³” para
conosco.
Dia 29 de março
deste ano de 2013 teremos mais uma Encenação da Paixão de Cristo do Movimento
de Emaús, de Florianópolis. Nesta sexta-feira da Paixão, pode ser que Cristo
esteja no ginásio do Colégio batendo nas janelas dos corações de várias pessoas
que esperam receber um abraço afetuoso do Pai.
O seu ‘SIM’ é fundamental
para que tenhamos uma Encenação inesquecível!
Uma ótima semana!
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¹VEGA,
Lope de. “A Jesus!”
²Isaías
49:16
³GIRAUD,
L. “À Procura do Senhor”
³³Citação
de Santa Teresinha do Menino Jesus
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