quinta-feira, 28 de março de 2013

A Angústia de João: Paixão de Cristo (Parte 1)


Anoitecia em Jerusalém. O fim de uma incomum tarde chegava. João havia sido encarregado por Jesus para ajudar na arrumação do cenáculo.

O mais novo dos amigos de Jesus estava inquieto. Sentava, levantava. Queria saber o porquê da demora dos seus amigos. Já estavam atrasados! A angústia humanizada de um jovem com cerca de vinte anos parecia aflorar, especialmente nesta data.

“Converte-te agora, quando ainda te sentes jovem... Como é difícil retificar quando a alma envelheceu!”
(São Josemaría Escrivá)

Tantos eram os caminhos que o coração conduzia a seus amigos de infância: muitos haviam se tornado como seus pais, pescadores da Galiléia; outros ainda se arriscavam no serviço de carpintaria; e alguns focavam no comércio.

Mas ele não. Ele era diferente. Uma certa vez enquanto consertava as redes no mar da Galiléia, surgiu aquele estranho Homem, tão familiar, mas tão misterioso... Sua doce voz encantou o menino João que não pensou duas vezes antes de deixar as redes, e levantar-se para segui-lo, junto com seus irmãos.

Como falar não para Cristo? Sua voz tocava no íntimo do ser. Seu coração batia forte cada vez que O ouvia! “Verdadeiro Amigo, este Homem de Nazaré...”, pensava João enquanto viajava em seus pensamentos.

Segundos depois, João ouviu vozes. Eram eles. Finalmente, Cristo entrou no cenáculo onde seu amigo havia preparado aquela que seria a última das ceias que comeria com seus apóstolos.

O ambiente não parecia muito bom. Jesus, sempre humano, carregava um profundo olhar para com cada um deles. Pedro, o língua afiada, até tinha murmurado para Tiago: “O Mestre está diferente, avoado...”.

Celebrariam a Páscoa judaica, data que lembra a libertação do Egito, lembrando dos laços reiterados com Deus. Rituais que não poderiam ser deixados de lado, afinal Jesus não havia vindo passar uma “borracha” em tudo o que se acreditava, e sim aperfeiçoar, fazer novo, tornar novo!
A última ceia

Jesus realmente estava mais quieto que os outros dias, mas não avoado como citou Pedro. Tinha motivos. Sentia o que ia acontecer.

Sentaram-se a mesa numa quietude indecifrável.

Às vezes o mais profundo silêncio nos faz refletir. É através do silêncio que conseguimos experimentar a vida no íntimo do que somos, no íntimo do nosso ser. 

Quando a saudade bate forte no peito, não há quem contenha as lágrimas ao fim do dia, quando aquele silêncio solitário se instala em nossos corações.

É a chamada “beata solitudine”, ou “abençoada solidão”.  Quando estamos só nós e nossa consciência. Só nós e nosso coração. Só nós e Ele.

“Quanto mais se resiste no silêncio, menos se sente o mal.”
(Santa Teresa Benedita da Cruz)

E, amigos de Emaús, o silêncio realmente imperava naquela noite. Devido a seriedade que Jesus mostrava em alguns momentos, dificilmente um discípulo o perguntaria o por que disto, ou até faria uma piada. Quem sabe pelo respeito que tinham com o Mestre.

Jesus então, em uma atitude visivelmente planejada, foi para o fundo do cenáculo e pegou um bacio. A agonia de João o fez perder a fome daquela linda ceia e pensar: “Mas o que está acontecendo?”


O Evangelho que este mesmo garoto, João, escreveu anos depois conta que neste momento “Jesus os amou até o fim”. Monsenhor Bianchini, no entanto, lembrava que pela tradução exata do latim “In extremis dilexit eos”, teríamos: “Jesus amou-os até a extremidade de um Deus ser capaz de amar”¹.

Amar até o limite que um Deus pode amar! Se Deus é amor, isto significa TODO amor que já existiu nessa vida. Como os amava... (como nos ama!)

A um por um, esse silencioso e diferente Cristo lavava os pés. No começo, nada entenderam. A angústia que João carregava no peito fazia bater forte seu coração. Sentia medo. “Se acalmem, vocês entenderão...” repetia Jesus.

Alguns se emocionaram, alguns se surpreenderam, e um ficou indiferente. Judas, que cada vez mais se afastava de Jesus, parecia não se importar. Por trinta moedas de prata beijaria o rosto daquele que um dia tanto lhe queria bem.
A Indiferença de Iscariotes

Quando nos fazemos indiferentes diante de Deus, arranjamos justificativas para isto: “Já tive uma fé muito grande! Mas não consegui aquela vaga de emprego, apesar de orar muito.” Ou até: “Eu ia à Igreja todo domingo, até perceber que perdia muito tempo por esse Deus que nada me deu em troca!”.

É a falta da entrega, a falta da oração, a falta do “sim” que Ele nos pede. Com uma boa dose de “não’s” vamos nos tornando indiferentes. E o rumo que antes era “certo de peito aberto”, se torna um mundo de incertezas e decepções.

Talvez Judas não tenha concordado com Jesus em algum momento. Talvez quisesse ser maior. Enquanto nos outros apóstolos, o “estar com Deus” era um misto de carinho e paciência, Judas em sua “abençoada solidão” não agüentava mais ouvir Aquela voz latejar em seu ouvido, mesmo quando estavam todos dormindo.

Horas depois, foram, Jesus e os onze (Judas já tinha saído), ao Getsêmani, um lindo jardim no Monte das Oliveiras. A escuridão do local os fazia bocejar, após este misto de emoções que tomou conta da noite. Ainda mais para João, que havia passado a tarde arrumando o cenáculo para todos.

Jesus trazia tanta segurança! Para João, o menos experiente, talvez o sentimento ultrapassasse o limite da amizade, ultrapassasse o sentido do companheirismo. Talvez Jesus fosse para João como um verdadeiro pai terreno. Zebedeu e Maria Salomé com certeza eram pais responsáveis, que muito amavam seus filhos. E João e seus dois irmãos também eram muito agradecidos, mas estar com Jesus era confortador. Sentir a doçura de sua Mãe, então, era acolhedor. Maria gostava de João como se fosse um filho. Aliás, quem não gostava deste menino que tinha um coração de ouro?

Se instalaram no jardim. “Minha alma está triste até a morte”, disse Jesus, como quem toma todas as dores do mundo: a minha, a sua. A dor que nem sentimos ainda hoje, mas que amanhã Ele sabe que passaremos. As dores que virão, os problemas que surgirão quando tudo parecerá estar bem. No Getsêmani, Ele assumiu nossas tristezas!

“Mas, como poderia Jesus assumir minha tristeza se não me conhecia? Como poderia carregar para si meus sofrimentos se estou há mais de dois mil e treze anos de distância dele? Diz a Escritura: ‘Para Deus mil anos são como um dia, um dia é como mil anos!’ (2Pd 3, 8-9)”
(Vilmar Dal-Bó)

João, com seu corpo muito cansado, deitou ao lado de Tiago e Pedro enquanto Jesus orava. O que aconteceria daqui pra frente? Seus olhos estavam fechando, fechando, e de repente se flagrou em um sonho:

“Em uma linda tarde de outono estavam nós, os apóstolos e Jesus. Nós sentados, só escutando e Ele falando, falando, falando. Parecia ter firmeza nas palavras e muita disposição. Após contar a parábola do Filho Pródigo, a minha preferida, o Mestre sorria de uma forma linda. Ternura no olhar, na boca e no coração...”

Discípulos não resistiram ao sono
Mas, a mesma voz do sonho o acordara, com um tom de decepção. Não estava em uma linda tarde de outono. Não estava na calmaria e na certeza, e sim tinha pegado no sono naquela escuridão que só o Getsêmani o proporcionava. Jesus exclamou: “Basta eu sair e vocês já dormem? Não podem vigiar uma só hora?”

Eis que ouviram um cintilar de espadas, uma caminhada com diversos homens. De diversas idades, de diversas alturas. O mal vem de todas as formas, de todos os jeitos. E dentre estes homens, João observou atentamente: “Judas? Mas... como?”

             CONTINUA...

Nenhum comentário:

Postar um comentário