domingo, 15 de setembro de 2013

O Pai Misericordioso

            “Obrigado e volte sempre!”, disse Enzo para algum desses turistas que viera visitar a loja de artesanato de sua família naquela tarde quente.

            A tradição da família, tipicamente “manezinha da Ilha”, veio do avô, que em uma época de dificuldade financeira resolveu fazer artesanato para sobreviver. E deu certo. Seu filho, o pai de Enzo, herdou a loja e a ampliou. Já era a maior loja de artesanato do Ribeirão da Ilha! Um sem-número de funcionários trabalhava na loja que atraía milhares de turistas a cada verão.

            O irmão mais velho de Enzo, Gedeão era o típico gente-boa: sabia lidar com os clientes e com os funcionários. Em teoria, a família parecia estabilizada. Mas na prática...  

No entardecer, o sol se punha e o sonho de Enzo aumentava: “Imagina Gedeão! O lance é ir pros States! Arranjar um trampo, conhecer aquela cultura, me sustentar e ficar por lá”. O irmão, mais maduro e pé-no-chão tentava convencê-lo do contrário: “Enzo! Não seja tolo! Temos o melhor trabalho do mundo, não nos falta nada! Quer nos deixar por um sonho que pode ser uma furada?” . Mas não adiantava. Enzo já havia pesquisado por meses e estava a um passo de realizar seu sonho de tentar a vida nos Estados Unidos. Só faltava uma coisa.

No dia seguinte, bem cedinho, Enzo pôs-se de pé no café em família e falou: “Pai e mano: trabalhei na loja por anos e tenho direito a minha parte! Quero realizar meu sonho e só resta isso para que eu possa, finalmente, partir. O mundo é maior que Floripa! Quero sentir o gosto da aventura, conhecer gente nova, viver a vida por completo!”. 

O pai, ao contrário do que os filhos esperavam, ficou em silêncio. Aquele silêncio prostrado, ferido, atroz. Não soltou nenhuma queixa, não indagou, nada falou. Apenas aquele silêncio de um golpe inesperado de uma das duas pessoas que ele mais amava no mundo. O Enzo, que ontem era uma criança feliz, estava de partida.  

“Tomou a sua herança e partiu
E todas as suas virtudes ele enterrou”

Nota-se que a liberdade dada pelo pai não é irresponsável, e sim uma liberdade repleta de amor. O pai deixou seu filho partir pois se forçasse a permanência a seu lado não teria um filho, e sim um escravo.

No mês seguinte lá estava o avião de Enzo partindo no aeroporto Hercílio Luz rumo a seu sonho. Uma lágrima e um “Te amo meu filho... Que Deus esteja contigo” foram as últimas palavras do pai para o confiante rapaz. Seu irmão mais velho não andava lá muito satisfeito da decisão de Enzo.

Ninguém sabia que a partir da ida de seu filho, o pai, todas as noites, dia após dia, ia solitariamente para um mirante a algumas quadras de sua casa. Sua quietude permanecia intacta desde a partida. Ele sofre porque é pai. Sofre pois gostaria que o filho não escolhesse sofrer.

Sofrer? Enzo tinha arranjado um emprego em um cassino em Las Vegas. “Nunca fui tão feliz” repetia para si mesmo. As fotos publicadas no facebook flagravam a facilidade do rapaz em fazer novos amigos, em finalmente sair daquele “mundinho” de Floripa.

Em poucas semanas já havia esquecido tudo. A loja de artesanato, Gedeão, o Ribeirão da Ilha, e seu pai... Um colega de quarto que também trabalhava no cassino o interrogou: “Cara, tu curte poker?”. Enzo não sabia lá jogar muito bem, mas perder uma noite de folga? Nunca! Foi. E impressionou os que lá estavam. Ganhou dinheiro o suficiente para mantê-lo por mais um mês nos EUA.

“É isso! Trabalhar e, nas folgas, partir para o poker! Em meses terei dinheiro o bastante para comprar meu próprio carro, minha própria casa, começar meu próprio negócio! Goodbye Brazil!”

“Família, fé e amor perderam o valor”

Na mesma noite, a muitos quilômetros de distância, o pai no mirante soltava o choro preso há semanas: “Quando vou tê-lo de volta?”, falava, soluçando...

Enzo, em dois meses, havia conseguido comprar seu carrinho. Os jogadores mais experientes de poker se impressionavam com seu rendimento, até que aquela noite chegou. A noite que tornou todas as certezas, incertezas.

A disputa nas cartas estava acirrada. Enzo tinha certeza que ganharia. E seus adversários apostavam alto. Porém, sabendo que estava com a mão que venceria, Enzo apostou seu carro e quase todo o dinheiro que tinha guardado nesse tempo. Pensava consigo mesmo: “Quando eu ganhar mais essa paro com o poker! Vou aproveitar minha sorte pra parar na hora certa!”

Eis que a mão de todos os adversários era maior que a sua. Estava totalmente enganado, não sabia como.




“As ilusões do mundo são como vapor
E assim sua fortuna se dissipou”

 E, como num piscar de olhos, havia perdido quase tudo. Seus ‘amigos’ a gargalhar no meio da jogatina. Era o fim do sonho. E pra piorar: havia se demitido do cassino na mesma noite para começar seu negócio próprio.

Onde jantaria? Que emprego arranjaria? Tentou os supostos amigos, mas não obteve sucesso. Não queriam mais saber dele. Não tinha o que fazer!

Dormindo em um hotel localizado em um bairro perigoso naquela fria noite lembrou da gargalhada de seu pai, todas as vezes que contava a mesma piada há anos. Por que seu pai ria tanto de uma piada na qual já sabia o final? Não entendia, mas adorava que alguém pudesse achá-lo engraçado. E Gedeão? Seu irmão que havia o ensinado a pescar, que tempo bom! Aquele canto de Floripa parecia aconchegante comparado a este Estados Unidos que estava agora conhecendo.

Parou pra pensar: “Os funcionários de meu pai conseguem se alimentar! Tem grana pra pagar algum lugar para dormir, tem vale-refeição... É isso. Vou voltar pra loja e me candidatar a vaga de funcionário de meu pai para pagar o prejuízo! Com o dinheiro que sobrou acho que consigo voltar para o Brasil.”

Poucas semanas depois, o pai, abatido, caminhou para o mirante. Tinha certeza que iria ser uma noite daquelas, cheia de interrogações, tristeza, e pesar. Mas mais que tudo isso a preocupação por seu querido filho mais novo.

“Então arrependido, ele voltou”

O pai, com um olhar distante, viu um vulto vindo de uma rua paralela ao mirante. O que ele não contava para ninguém, é que as suas solitárias idas ao mirante tinham sempre uma esperança diferente: de que visse seu filho voltando, apesar de parecer loucura. Neste dia, o vulto o fez pensar: “Opa, vem vindo alguém! Será? Não, não parece... Meu Enzo tem um andar firme, elegante, seguro, não foi assim que ele partiu naquele dia do aeroporto... Mas, tem algo estranho! Parece sim meu filho, esses passos lentos, parece ele! É meu filho! É meu Enzo!”. Com o coração acelerado, a alegria do pai explode! Ele não se contém. Deixa o mirante, correndo, no meio da escura rua...

Vai de braços abertos, como se quisesse fazê-los chegar antes de suas pernas! Vai correndo, enquanto Enzo vem andando, como se quisesse dizer: “Minha misericórdia é maior que tua miséria!”.

O filho, bem mais magro, talvez pelo dinheiro que teve que economizar para voltar, começa a chorar ajoelhado e fala pro pai: “Pai! Perdi tudo! Sou muito burro! Eu não sou digno de ser chamado teu filho, não sou digno da tua herança, de herdar tua loja, de fazer parte dessa família... Me aceite como funcioná...”, mas o pai o interrompeu, e lhe deu um beijo estalado daqueles no pescoço do filho, que nada entendia.

Notemos que o pai havia ficado quieto e acatado com a decisão de seu filho quando este quis partir, e, da mesma forma, não o corrigiu na volta. Não falou nada do tipo: “Voltou ein? Eu não disse? Cabeçudo! Agora tu lembra de mim?”. Não. Nada disso! Ao invés disso, o pai falou: “Enzo, meu filho, vamos indo pra casa! Tu não tens idéia da pescaria que fizemos hoje! Vamos fazer uma grande peixada pela tua volta!”

Gedeão, que havia passado a tarde fora fechando parcerias para a loja, (tarefa essa que era feita por Enzo antes de sua partida) estava cansado nos últimos tempos. Fazia o trabalho praticamente em dobro. Ao chegar em casa ouviu um som incomum: samba, festa, alegria! Encontrou um funcionário da loja na calçada, e este o explicou tudo. O primogênito se recusou a entrar.

Então, seu pai foi ao encontro e lhe explicou: “Filho... Tu sempre fostes meu braço direito! Fizeste teu trabalho com muita dedicação e carinho nestes anos. Mas entenda! Achei que nunca mais ia vê-lo, fiquei com muito medo... E de repente ele voltou para nosso lar. Esta é a maior alegria que posso ter, meu querido Enzo de volta!”
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            Jesus, no Evangelho do domingo passado (Lc 15:1-32), concebeu a mais bela das parábolas! Apesar de ser conhecida como a parábola do “Filho Pródigo” (pródigo = que gasta mais do que necessita), eu a intitularia “O Pai Misericordioso”.

            O pai da história certamente demonstra o amor-limite, o amor-extremo, o amor-divinizado. O amor de um Deus, ou seja, não um simples pai, mas o Pai. O advogado do pecador, o defensor do ingrato.  

            A parábola contada por Jesus não se encerra. Será que o filho mais velho entrou na festa para comemorar, ou será que foi embora brabo com seu pai? Será que o filho mais moço descobriu o valor da família e do amor verdadeiro, ou depois de um tempo voltou pra gandaia? Não sabemos.

            Estar de volta à casa do Pai é a maior graça que podemos ter na vida. Quando voltamos, ele não vê passado, apenas nos acolhe com um coração aberto.
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            A experiência de um Curso de Emaús é inexplicável. É como ter a graça de fazer parte, mesmo que seja de 0,0001% da volta de um filho pródigo para os braços de Deus. E com isso, conquistar uma alegria que vai além de palavras.

            Do amanhã não tenho certeza. A única certeza que tenho é que o Pai estará ansioso no mirante, aguardando a chegada de seus filhos ao Morro das Pedras, no dia 3 de outubro. E, um a um, os amará. Até o limite. Quantas vezes for preciso.

            “Basta que alguém queira mudar de vida,
Ele logo te abraça...”
(Monsenhor Bianchini)

Um comentário:

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